domingo, 20 de novembro de 2011

Mergulhar

Tem gente que espera uma casa própria para pensar em engravidar. Ou a estabilidade financeira. Ou o amor da vida. Ou fazer uma viagem pra Europa.

A verdade é que se você ficar esperando alguma coisa mudar ou se estabilizar na sua vida para ter filho, você não tem. Quem racionaliza não tem filho: o mundo é péssimo, violento, hipócrita, corrupto e sem imaginação. Ter filho é caro, criar uma criança exige tempo e dedicação. Talvez você leia menos livros, talvez nunca aprenda a falar alemão, talvez nunca alcance uma barriga de tanquinho, ou consiga aquele carro esportivo. Ou seja, pra que, né?

Eu ainda não consegui essa resposta, eu só senti que era a hora de ter um filho. Assim. Eu tive fases de querer ter filho, tive fases de achar que não suportaria a idéia de ter cabelos dentro de mim, unhas. Mas aí meu vô morreu e eu fiquei com essa sensacão de finitude mal elaborada e sempre pensava que talvez, se eu tivesse um filho, a vida voltasse a acontecer com mais força do que a morte, pelo menos na minha realidade.

Não teve nada de racional. eu tô organizando para contar. Foram ondas, uma sensação. Tomar a pílula ficava cada vez mais idiota e sem sentido. Um dia minha menstruação acabou. E eu não fui à farmácia.

Eu não tinha menor intenção de engravidar tão rápido quanto eu engravidei. Mas foi assim. Parei a pílula e engravidei bem rápido, mesmo tendo ovários policísticos, mesmo viajando duas semanas por mês sem ver o maridón, mesmo com o ciclo irregular. E então estamos aí, encarando o mistério que é ter uma pessoa dentro de você.

Pois é isso, um mistério. Não adianta racionalizar o troço. Lógico que você pode lembrar dos aspectos científicos: zigotos, gametas.  X, Y. Seus tecidos e células virando tecidos e células de outra pessoa. Mas isso não explica nada, nem o porquê de ter um filho, nem como fazer isso: ser mãe.

Eu nunca achei que só me realizaria como mulher se tivesse filho, que só me sentiria completa como mãe. Pra mim isso é bobagem. Mulher é mulher, nos reinventamos, nos construímos como mulheres independente da maternidade. Mas é inegável que existe uma trasmutação do que é ser, de que lugar se ocupa no mundo e da maneira que vamos atravessar a vida daqui pra frente.

O lance é aceitar, receber isso. Abraçar isso. Afundar a cara nisso e viver isso da forma mais intensa e profunda que der. Pois se explicar não dá, pelo menos dá pra sentir, e sentir tudo: medo, dor, amor, raiva, alegria, plenitude.

Não dá pra ficar na beirinha dessa experiência, só molhando os pés. É tempo de mergulhar.

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Quando eu era adolescente tinha um sonho recorrente onde eu ficava presa em uma caverna cheia de água. Afundada, sem ar, tentava achar uma saída e a saída era sempre uma outra caverna, ainda mais bonita, mas ainda mais profunda e assustadora que a anterior. Eu sempre pensava que o ar ia faltar, mas surpresa, o ar não faltava. E eu ia. Eu continuava. Afundada no azul. Essa semana eu sonhei de novo, depois de anos. E eu consegui sair, voltar e transitar livremente, nadando entre todas as galerias, sem medo. Foi bom.

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